01 setembro 2014

Paredes de Coura é, de facto, especial.

Festival Paredes de Coura
Paredes de Coura
20-24. agosto . 2014

Crónica para a Rádio Universidade de Coimbra.

Aqui não há espaço (literalmente) para tendas indiferenciadas com coisas “trazidas até nós” por uma marca qualquer, não há rodas gigantes no horizonte, não é preciso montar escorregas insufláveis (porque saltar directamente para o rio Taboão é muito mais divertido), não há glamour na zona de imprensa, nem na área VIP nem no recinto, porque os (verdadeiros) festivaleiros não gostam de revistas cor-de-rosa.

As actividades-extra às noites de concertos (que todos os anos vão sofrendo alterações ou afinações, funcionando como experiências diferentes e complementares) são o que se espera de um festival deste tipo. Cinema documental (sobre música, claro) ao ar livre e concertos que subiram à Vila, ao longo dos dias anteriores (entre outros, Moullinex, First Breath After Coma, Mirror People). Durante as tardes de festival, um palco de Jazz na Relva, para ressacas bem passadas. E quem queira apenas relaxar, tem também a “actividade-extra” de ficar à beira do rio a jogar cartas ou no campismo, em churrascadas bem fumadas.

Para quem toca, existe o ambiente especial e o cenário deslumbrante, tão marcante para quem faz tours extensas e as termina ali, muitas vezes tocando por sítios que são apenas entediantemente iguais aos da noite anterior. Para quem vê, há a possibilidade de alternar (em coisa de 30 segundos e poucos passos) entre dois palcos em que as coincidências de horários não são de grande monta, podendo assim apreciar aquilo que, supostamente leva alguém a um festival de música (e, ainda mais, a Paredes de Coura), os concertos.

Desta vez, quatro noites no palco principal. Na recepção ao campista (ou re-recepção, porque muitos chegam ao recinto vários dias antes) quatro nomes bem distintos. Capicua trouxe consigo M7, D-One e Dário Cannatá que a acompanharam na palavra, no som e na imagem. Num pouco habitual momento de hip-hop no historial deste festival, o concerto estabeleceu bem o propósito de boas-vindas, com a nortenha Ana Matos a divertir-se e a emocionar-se enquanto divertia e emocionava, principalmente nos trechos apenas de palavra que, arriscadamente mas de forma conseguida, encheram o auditório. Depois, uma das boas surpresas desta edição, os americanos Cage The Elephant que, condensadores de muitas influências foram progressivamente elevando a fasquia. Apesar de o seu registo e a sua apresentação dependerem de alguns lugares-comuns do rock ‘n’ roll, a verdade é que o resultado final foi genuíno e competente e, por isso, cativante. Ainda mais porque se tratava de um grupo na acepção da palavra, em que cada elemento, na sua diferença (musical, visual e de postura), contribui com a individualidade para o colectivo. Seguiu-se talvez o maior flop de todo o festival (mesmo as boas edições como esta foi, têm direito a falhar…): Janelle Monáe. Estava tudo no sítio, as roupas brancas e o cenário (e instrumentos) a condizer, os penteados, as dançarinas, a afinação… no entanto, a empatia com o público, com o local, com os espíritos da música, simplesmente não funcionou. Não sendo terrível, porque suor e qualidade técnica houve, ficou a pairar em grande parte do público a sensação de que aquele concerto era apenas “mais um” e não ficaria na memória. A noite, naquele palco, fechou com Public Service Broadcasting, um duo inglês que concilia uma aura vintage, repescando gravações e imagens da Inglaterra dos anos 40, 50 e 60, com as sonoridades post-rock e krautrock. Os samples e sons pré-gravados substituem na íntegra todas as vocalizações, dando a ideia de uma certa distância da banda. No início estranhou-se um pouco, mas no fim a “coolness geek” dos PSB foi uma boa descoberta (tal como eles dizem, “ensinam lições do passado, através da música do futuro”). A sua música mais cerebral talvez tenha sido uma aposta arriscada para o final de noite, mas é destes riscos que Paredes de Coura também é feito. A festa terminou no palco secundário que, no dia 20, foi apenas cenário para os autralianos Cut Copy em formato DJset, com as sonoridades assentes numa matriz electro-house, mas longe de cativarem (tal como fariam, dois dias depois, em concerto) os mais resistentes da primeira noite do festival.

O dia 21 inaugurou o recinto em todo o seu esplendor, começando logo, à tarde, com o concerto descontraído de Jazz na Relva dos portugueses Hitchpop. Ao final da tarde começava o saltitar entre dois palcos: de um lado, o blues-rock musculado do portugês Fast Eddie Nelson (alter-ego de Nelson Oliveira), que conseguiu uma óptima abertura do Palco Vodafone, com o público presente já em bom número a reagir como manda a lei do blues mais endiabrado, pontuada com uma excelente versão do clássico beatleano “Come Together”; do outro, o post-rock melodioso dos espanhóis Oso Leone, com a contenção e a tensão latentes em algumas canções do seu álbum de estreia homónimo a deixarem algumas pistas interessantes a desbravar no futuro, onde a segunda bateria em palco poderá ser mais contundente); e, voltando atrás, a pop electrónica dos autralianos Panama, que soa, apesar de tudo, mais interessante nas remisturas que outros nomes fizeram das suas canções (caso do planante “It’s Not Over”) do que na recriação dos seus próprios temas em palco. Mas um dos bons momentos da noite estava reservado para o sénior Seasick Steve. Este americano de 72 anos conseguiu aquilo que, por vezes, apenas quem tem experiência de vida (e de palco) consegue: a empatia forte e imediata com o público. As letras dos seus blues, acompanhadas por um baterista, proporcionaram uma actuação de excelente storytelling onde, além da barba, da jardineira e das promessas de amor às jovens do recinto, se destacaram as guitarras feitas à mão com materiais que muitos ferros-velhos recusariam. Com um auditório de alma já cheia, adivinhava-se que a noite só podia ser em grande. Sem tempo para descansos, Thurston Moore, em quarteto que incluía Steve Shelley (sim, o baterista dos Sonic Youth), apresentou a ficha de ADN que, sem margem para falhas, identifica o legado sonoro deixado por aquela banda nova-iorquina desde os inícios dos anos 80. Apresentando já um pouco do seu futuro disco «The Best Day», o concerto equilibrou muito bem os momentos noise, as cadências rítmicas e os embalos hipnóticos que o caracterizaram ao serviço da sua agora extinta banda. Depois disto, a primeira habituação ao concerto de Mac DeMarco não foi fácil. O som parecia um pouco baixo e pouco pujante (ou seria mesmo apenas o contraste?) e os músicos pareciam com dificuldade em soltar-se. Mas, tal como no futebol, não há duas partes iguais e, a segunda metade foi em grande crescendo, apoiado no novo «Salad Days» (uma quase-perfeição pop dentro do imaginário deste americano) e ainda na subida ao palco de uma menina que ajudou Mac a fazer baixar o espírito de Jah (via Bob Marley), à qual se seguiram muitos outros que entoaram a apoteótica “Together”. Voltando ao palco secundário, tempo para um excelente concerto de Thee Oh Sees. O projecto de John Dwyer era bastante aguardado e não desiludiu, soando durante quase uma hora a uma mistura entre Clinic e Dead Kennedys (o que, da nossa parte, são dois enormes elogios), com uma secção rítmica robusta e uma guitarra e voz carregadas de distorção, reverb e delay, numa mistura que deixou os ouvidos a zumbir e o corpo a latejar, no bom sentido. Depois de algumas canções dos Chvrches, com a sua pop electrónica demasiado redonda e pouco vigorosa, surgiu o pretexto ideal para uma pausa na zona de restauração, mesmo que para trás ficassem alguns seguidores bastante satisfeitos com a estreia destes escoceses em Portugal. Os “verdadeiros” escoceses viriam logo de seguida: Paul, Bob, Nick e Alex, ou seja, Franz Ferdinand. Mesmo os mais desconfiados, alegando o menor vigor discográfico deste quarteto e o facto de aquele poder ser um déjà vu do concerto que, naquele mesmo palco, acontecera em 2009, tiveram de se render à festa que poucos como os FF conseguem fazer. Uma formação que se manteve constante e que já se conhece de olhos fechados, músicas saltitantes, refrões facilmente cantáveis e uma mistura de várias linguagens pop e rock das últimas décadas, tornaram este concerto noutra aposta ganha da organização. Nota ainda à dedicatória especial, pela voz do amigo Alex Kapranos, à quase-conimbricense Tracy Vandal, presente no recinto. Já depois das duas da manhã, foi a vez de White Haus, o mais recente projecto de João Vieira (X-Wife, DJ Kitten) incendiar a assistência com electro-rock de raízes no leftfield disco da Nova Iorque dos anos 70 (com o expoente máximo em “How I Feel”, o single que apresentou o seu «White Haus EP» lançado em 2013), ao qual se seguiu o DJ francês Ivan Smagghe, com o seu electro-house, mas sem a pujança sonora do seu projecto Black Strobe.

Após uma noite quase perfeita, a sexta-feira trouxe alguns pontos altos mas também um certo número de decepções. No palco principal a tarde acabou bem, com o stoner rock dos barcelenses Killimanjaro a colocar em brasa a parte inferior do auditório e a convencer a parte superior que, mesmo sentada, batia o pé, meneava o tronco e aplaudia. Seguiram-se os Linda Martini, caso assinalável de culto entre nós, ao longo de uma década. Num concerto sem surpresas, em que a banda foi, na perfeição, aquilo a que habituou os seus acérrimos seguidores que compactavam o espaço à frente da régie, faltou que a chama passasse na totalidade para a metade superior da audiência para que a aclamação fosse geral. Os concertos ainda com luz solar e num espaço tão aberto, ainda que bonitos, perdem quase sempre a capacidade para criar a sensação de comunhão geral, que foi só o que ficou a faltar a este concerto. Antes, e noutro palco, os americanos Buke and Gase eram um nome que se fazia acompanhar de alguma curiosidade pelos instrumentos manufacturados pelos próprios (uma espécie de guitarra e uma espécie de baixo), acrescentando em palco um bombo, uma pandeireta de pé e as suas duas vozes. Apesar da boa capacidade de comunicação e do evidente gosto em estar ali, a verdade é que a sua música dissonante e experimental não encontrou naquele palco (e no público) grande eco aclamatório. Ainda na tenda, já de noite, tocaram os londrinos Yuck, apresentando o seu indie-rock carregado de referências shoegaze e dos anos 90, que contou ainda com uma versão de “Temptation”, dos New Order. Pelas reacções imediatas durante e entre as músicas, percebeu-se que têm público fiel no nosso país, assim como Conor Oberst, principalmente por ser mentor dos Bright Eyes. Este, no palco principal teve como banda de suporte os Dawes, que ao início da tarde tinham actuado, sem grande impacto, no secundário (tendo como cartão de visita o seu último disco «Stories Don’t End», lançado em 2013, onde o imaginário do indie-rock acústico norte-americano está bem patente). Conor, vagueando no espectro do folk-rock de tradição americana e do alternative-country, tendo feito um concerto competente, com momentos de forte intensidade sonora mas também outros, mais íntimos, onde a fragilidade da voz e da guitarra conquistaram o público. Num registo diametralmente oposto, o punk-hardcore dos Perfect Pussy mostrou-se extremamente barulhento, não podia ser de outra maneira, claro, mas num tal encadeamento que se foi tornando cansativo e algo maçador, apesar de, verdade seja dita, o quarteto encabeçado pela poderosa Meredith Graves ter oferecido aos fãs desta banda da Captured Tracks o que eles queriam. Habituados a dar tudo em palco estão também os Black Lips que, no palco principal, continuaram o alinhamento do cartaz, num concerto que, mesmo interessante e, a espaços, entusiasmante, ficou aquém do esperado, talvez pelo facto de a música e a atitude deste quarteto americano (que pontualmente se fez acompanhar ainda por um 5º elemento no saxofone) funcionar melhor em espaços menos arejados e onde se sinta o suor a passar do palco para a plateia e vice-versa. No auditório natural foi aos australianos Cut Copy que coube fechar o palco. Munidos de uma combinação quase irrepreensível entre pop e dance music, mostraram-se bastante enérgicos e contagiaram, desde o início, o cada vez mais público que quase lotava o recinto. Ainda nessa noite, mas no palco-tenda, o rock shoegaze dos Cheatahs, banda sediada em Londres, editada pela Wichita Recordings e que tem a sua matriz musical no lo-fi dos anos 90 (onde cabem os nomes dos Dinosaur Jr. e Pavement, só para citar algumas referências mais imediatas), prendeu muita gente e manteve o ambiente composto para o encerrar da noite por parte do DJset do inglês Mike Greene aka Fort Romeau, assente num house instrumental algo monocórdico que não deixou grandes marcas dançáveis. 

Se tinha de terminar, que terminasse em grande. E foi assim mesmo que, no dia 23 de Agosto, se assistiu a uma histórica lotação total do perímetro do festival. E desde cedo que o recinto se mostrou bem cheio, talvez também beneficiando do facto de ser um sábado. Uma das actuais coqueluches da pop electrónica nacional, Sequin (o projecto de Ana Miró), arrastou público conhecedor e deveras apreciador das sonoridades veraneantes, sedutoras e algo “Naive” da autora de «Penelope», que abriram a tarde/noite de concertos no palco secundário onde, no ano passado, tinham estado com estrondoso êxito, os Sensible Soccers. Desta vez “promovidos” ao palco principal, apoiados no declarado mérito da crítica e dos seguidores ao seu LP «8», cumpriram e encantaram os apreciadores do seu shoegaze electrónico e contemplativo, apesar de menos festivos do que na edição anterior, onde a comunhão com o público nocturno de uma tenda a abarrotar criou um momento dificilmente repetível. Estas seriam as duas propostas portuguesas da noite que continuou, no palco mais pequeno, com os The Dodos. Depois de se estrearem em Portugal (com direito a passagem por Coimbra), em 2008, foram criando uma base de fiéis seguidores que efusivamente os receberam, ainda ao final da tarde. A visitar os seus diversos registos e em formato de duo (o que a banda sempre foi, com pontuais adições), ofereceram um dos melhores concertos do festival, pela energia efervescente da bateria de Meric Long e as guitarras dedilhadas e reverberantes de Logan Kroeber, juntamente com a sua voz aveludada. Findo o concerto, foi tempo de rapidamente arranjar um lugar para ver Kurt Vile, de regresso a Paredes de Coura, com os Violators. Com o aclamado disco «Wakin On A Pretty Daze» como cartão-de-visita, mas contando já com uma discografia que lhe foi granjeando muita atenção, o concerto do americano era bastante aguardado e, talvez por isso, tenha desiludido em certa medida. O concerto foi competente mas, diga-se, pouco mais do que isso. As boas canções estavam presentes, mas a atitude demasiado tímida e contida (do líder) da banda não se adaptou à celebração que o público estava preparado para fazer. Em contraste, imediatamente a seguir, Hamilton Leithauser conquistou com alguma facilidade o público do palco secundário, possivelmente ajudado pelo lastro que os seus The Walkmen deixaram em Portugal nos últimos anos. Contudo, a descontração do americano (que esteve por vezes sozinho em palco apenas com a sua guitarra) talvez tenha sido de mais pois, juntamente com a sua banda distribuíram alguns “pregos” (incluindo numa versão de Leonard Cohen) que podem ter sido também originados pelo cansaço do final de tour europeia. Falando em “pregos”, os The Growlers talvez tenham ganho o prémio de slackers do festival. Essa atitude nem teria nada de grave, até porque as canções rock eram um bom mote, o problema é quando esta se transforma em umbiguismo e condescendência para com o público. Foi o que transpareceu, em exagero, do vocalista Brooks Nielsen, enquanto a sua banda ia tocando, de forma mais ou menos indiferente. E, nestes casos, nem truques como “fazer a onda” ou chamar pessoas para o palco salvam a face. Foi um, dos felizmente muito raros, momentos fracos do festival que logo se recompôs com a actuação memorável dos suecos Goat. Apoiados num imaginário sonoro e visual que remete para o tribalismo africano, conjugaram-no na dose certa com riffs de guitarra e linhas de baixo de faceta rock, ao que somaram duas vocalistas mascaradas que, quase sempre em simultâneo, entoavam cânticos às vezes estridentes, às vezes hipnóticos. Por fim, espaço para dois concertos seguidos no palco principal, ambos extremamente aguardados e que encerraram mais que dignamente o auditório natural, nesta edição de 2014. Primeiro os Beirut, liderados pelo mentor Zach Condon, trouxeram a simbiose da folk da América do Norte, da França e dos Balcãs, com uma brilhante secção de metais, juntamente com bateria e um indispensável acordeão que, em conjunto, ora faziam dançar ora sossegar. Revisitando toda a sua discografia, tiveram um merecidamente épico regresso ao nosso país onde terão ganho mais interessados na sua música, além dos muitos já existentes. Por último, o inglês James Blake, jovem com uma tão inusitada quão sublime voz de crooner da soul que, juntamente com o uso delicado mas intenso da electrónica, arrebatou quase todo o público que estava, diga-se, já à partida rendido. E porque talvez já previsse que não se quereria ir embora tão cedo, ainda se juntou depois, aos companheiros da editora 1-800-Dinosaur que toma também o nome de colectivo de DJs (juntamente com o produtor inglês Airhead, Dan Foat e o seu baterista Mr. Assister) e que conduziu, até alta madrugada, os resistentes, numa viagem sonora onde o garage londrino se misturou alegremente com algum dubstep narcótico, sempre com toadas house pelo meio.

Resumidamente podemos dizer que esta foi uma edição equilibrada, onde a qualidade e a irreverência estiveram presentes, onde as apostas seguras conviveram bem com nomes menos conhecidos, onde uma vez mais se combinou na perfeição música, pessoas e natureza. Foi, de facto, (mais) “uma semana de felicidade”, em Paredes de Coura.

01 setembro 2013

Mais um ano, em Paredes de Coura.

Festival Paredes de Coura
Paredes de Coura
agosto . 2013


















Crónica para a Rádio Universidade de Coimbra.

Primeiro que tudo, uma declaração de interesses: Paredes de Coura é o Festival que mais admiramos. O gosto militante pela música, as poucas distracções não-musicais dentro do recinto, a (quase) ausência de apelos consumistas ligados a marcas ou produtos, a excelente visibilidade no anfiteatro, a preocupação com o conforto, o ambiente junto ao rio Taboão e no centro da vila, cartazes irrepreensíveis com bandas históricas e outras emergentes… É por isso que, sem nenhum gosto especial em dizer mal ou qualquer pseudo-intelectualismo, temos de considerar desgostosamente morna a edição de 2013. Não fossem algumas pérolas e outras (poucas) boas surpresas… Mas já lá vamos.

Antes de experienciar tudo o que as bandas e o festival têm para oferecer anualmente, cada um constrói as expectativas pessoais decorrentes do cartaz previamente anunciado. As nossas, devemos dizer, eram moderadas. Adivinhávamos que Hot Chip seria uma festa cheia de classe, que Belle and Sebastian espalharia pop mágica e sincera, que Calexico encontraria o cenário perfeito para o seu imaginário musical e que Widowspeak, Veronica Falls e Ducktails mostrariam as suas qualidades. Sabíamos que alguns nomes portugueses (entre eles Sensible Soccers, Tape Junk, Noiserv, The Glockenwise, Black Bombaim) teriam um importante momento que os poderia fazer balançar entre a consagração, a confirmação, ou a oportunidade perdida. Restavam a curiosidade pelo exotismo de Bombino, a expectativa pela peculiaridade de Unknown Mortal Orchestra e a incerteza acerca da forma dos históricos Echo and The Bunnymen. E os DJsets lá estariam, como sempre, a deliciar quem quer fazer a festa até tarde, mas a saber a pouco a quem está num festival para ver concertos. Tudo o resto, infelizmente, antecipávamos que seria pouco surpreendente e dificilmente entusiasmante. Contudo, fizemos as malas com a forte esperança de que aquilo que os 21 anos de Paredes de Coura representam, nos provasse o contrário.


DIA UM

Os Tape Junk tinham a responsabilidade de abrir o primeiro dia de concertos. O novo projecto de João Correia, um dos mentores de Julie & The Carjackers, apresentou o disco “The Good and The Mean”, feito de canções com letras mais pessoais e sons mais musculados do que o seu outro projecto. Neste, que conta com a presença de Frankie Chavez (a quem devolve o “favor” sendo o seu baterista), o apelo rock de quem cresceu a ouvir The Pixies supera a construção de música delicada e solarenga. Foi uma excelente forma de começar, com um concerto em crescendo, no alinhamento, na afluência de público e na certeza de que esta é uma banda a seguir atentamente.

Numa noite só com portugueses (em palco, entenda-se, porque no público já muito se notava a forte presença espanhola) seguiu-se O Bisonte. Oriundo do Porto, o colectivo liderado pelo incansável provocador Davide Lobão, trazia o hardcore cantado em português, mostrando que tem um conjunto de seguidores fiéis que faz questão de efusivamente cumprir os mandamentos da banda.

Já de noite, foi a vez de os Sensible Soccers se apresentarem perante um público previamente rendido e que fez questão de, desde o início, deixar o quarteto a sentir-se em casa. Com apenas um single e um EP editados (mas já com um disco quase a sair) onde misturam shoegaze com melodias pop, criam um resultado onde a tensão pré-explosiva é mantida quase hipnoticamente. Com a surpreendente entrada de um bailarino (exótico?) para dançar “Sofrendo Por Você”, mostraram saber que concertos especiais pedem também momentos marcantes, inusitados, que, ao mesmo tempo, deixam claro que é importante uma banda descontraidamente assumir que não se leva exageradamente a sério.

A fechar o palco secundário, que nos dois primeiros dias foi o único e, portanto, o principal, esteve Moullinex, o nome que esconde Luís Gomes e a sua electrónica contagiante (à qual se juntou a não menos contagiante Da Chick) e os The Filthy Pigs dois DJs naturais de Paredes de Coura que mostraram o caminho da festa ao som de vários êxitos da pista de dança (ou “tenda de dança” neste caso).

Ao concerto de Discotexas Band não nos foi possível chegar a tempo, por isso não aquilatámos o resultado do que acontece quando se juntam Bruno Cardoso (Shinobi) e Luís Calçada com Luís Gomes (Moullinex) e Da Chick, dupla que já tinha colaborado na noite anterior.


DIA DOIS

Mas quando os Unknown Mortal Orchestra subiram ao palco já estávamos bem posicionados, pois pressentíamos que a banda americana (com um pé na Nova-Zelândia) mostraria os créditos ganhos com os seus dois registos. Transpostos para o espectáculo ao vivo, os laivos psicadélicos, as malhas de guitarra ora orelhudas, ora dissonantes, a percussão que acompanha a complexidade da guitarra sobrepondo-se ao minimalismo do baixo, adquirem uma dimensão com um vigor que em disco está apenas apontado. Ruban Nielson fez um espectáculo próprio, com a sua guitarra e voz, levando-as onde quis e/ou onde o seu corpo as levava. Muita distorção e grandes riffs/solos, mas sem show-off gratuito, como se Thurston Moore fosse músico de jazz. Até a bateria teve direito a um empolgante solo (resulta sempre), perfeitamente enquadrado no alinhamento. Praticamente sem precisarmos de ver o que se seguia, confirmava-se: estava ali o momento alto dos dois primeiros dias de festival.

Após o desafio experimentalista dos UMO, entraram os contrastantes Alabama Shakes. É um facto que o quinteto americano impressionou pela competência irrepreensível dos músicos em palco e pela tão portentosa quão peculiar voz de Brittany Howard. No entanto, estas elogiáveis características acabaram por ser ao mesmo tempo o que, a partir de metade do concerto, começou aos poucos a cansar. Nada de grave, claro, ainda mais porque o público se mostrava totalmente rendido ao blues-rock da banda e à forma descontraída como esta se apresentava.

Para trazer um pouco mais de boa diversidade ao palco, chegou Bombino. Concerto elogiável, principalmente por quem se deixou levar pelo blues-rock tuareg anunciado pelo disco “Nomad” (com produção de Dan Auerbach). O quase-transe potenciado pelos ritmos e as linhas melódicas dançáveis, comum nas sonoridades tradicionais que nos chegam da República do Níger, marcou todo o concerto onde o guitarrista (cujos heróis são Jimi Hendrix e Mark Knoplfer) e os seus companheiros de viagem conseguiram conquistar, pelo menos, os aficionados da chamada world music.

A despedida foi feita pelo DJset de Headbirds, ou seja, Daniel Guijarro. A presença deste catalão e do seu techno serviu para ajudar a manter a ligação a Espanha que este festival tem potenciado, criando também o pretexto para que milhares de pessoas ficassem ainda dentro do recinto (e da tenda que envolve o palco secundário) até altas horas a consumir (de tudo um pouco) e a gastar as energias que estivessem ainda cumuladas. Pelo menos para esses dois objectivos, valeu a pena.


DIA TRÊS

O terceiro dia de festival, primeiro com palco principal activo, abriu com os nova-iorquinos Widowspeak. Em duo, Molly Hamilton e Robert Earl Thomas cativaram quem estava naquele fim-de-tarde no palco secundário. A formação reduzida, sem baterista, terá retirado peso à actuação, que ainda assim contou com alguns ritmos pré-gravados, mas não lhe tirou encanto. As canções pop, envoltas no toque certo de distorção e de reverb (como bem fazem outros colegas da editora Captured Tracks), eram interpretadas por uma voz de veludo (a fazer lembrar Hope Sandoval) e complementadas com as duas guitarras. O alinhamento contou ainda com uma apropriada versão de Wicked Game (Chris Isaac).

Logo de seguida, começava a inevitável (e nem sempre desejável) alternância entre palcos. O objectivo era espreitar os Everything Everything. Uma das muitas bandas supostamente alternativas e emergentes que enchiam boa parte do cartaz. Tal como a maioria das pessoas que se ia abeirando do anfiteatro de Paredes de Coura, também a nós não nos convenceram, pelo menos na primeira metade do concerto.

E felizmente que não desejávamos ficar para a segunda metade, uma vez que no outro palco estavam a começar os Veronica Falls (que já tinham igualmente estado no Warm Up realizado no Porto há alguns meses). Também eles britânicos e, apesar de não se mostrarem arrebatadores, bem mais interessantes. Neste quarteto com duas raparigas e dois rapazes, a secção rítmica (baixo e bateria) era propositadamente simples e repetitiva, criando a base suficiente para brilharem a voz ao mesmo tempo doce e aguda de Roxanne Clifford e o reverb da guitarra de James Hoare. Foi um concerto competente e semi-empolgante, com a chancela da Captured Tracks que costuma ter olho para bandas que misturam em boas doses a estrutura pop, o garage e o shoegaze.

Aos Jagwar Ma é normalmente colada a etiqueta da MadChester dos anos 80, mesmo que sejam oriundos da Austrália. E se em disco conseguimos encontrar algumas referências àquele movimento (tirando da discussão se as mesmas são ou não intencionais), a verdade é que ao vivo não se mostraram nem perto dos ritmos dançáveis dos Stone Roses, da electrónica pop dos New Order, e muito menos da atitude dos Happy Mondays. Foi um concerto que, infelizmente, tendo em conta a antecipação que parte do público mostrava, se revelou insípido.

Entre o jantar, as várias (demasiadas) oportunidades dadas aos The Vaccines e o bom posicionamento para o concerto de Hot Chip, acabámos por ver muito de raspão TOY e Little Boots (ambos na tenda). Os primeiros, são mais uma banda inglesa com muito estilo e guitarras bonitas. Bons executantes, é certo, mas algo fechados sobre si mesmos. Distorção, em cima de distorção, voz escondida, pratos frenéticos. Nem todas as bandas têm que querer fazer a festa, cada uma é em palco aquilo que quer ser e até admitimos que pudesse ter resultado, mas a qualidade de som teria de estar perfeita o que, diga-se, neste festival foi difícil. Já Victoria Christina Hesketh trouxe bateria e sintetizadores para o seu disco sound despreocupado e saltitante, mas o repto não passou para a audiência. Talvez porque esta foi mais uma banda com pouco para contar ou porque, ao contrário dos DJsets, ainda era demasiado cedo (e no sangue ainda não corria tudo o que mais tarde correria) ou porque o volume não estava no máximo.

Quanto aos The Vaccines, trouxeram muita agitação em palco e, em certa medida, fora dele. Somente na primeira metade do público, é certo, pois mais atrás, quem não era acérrimo seguidor da banda, assistia a um concerto de matriz punk-rock mas sem especial interesse. Apesar de musicalmente pouco sumarentos, registe-se o facto (não muito comum em boa parte das bandas) de estes ingleses pelo menos tentarem energicamente e de várias formas entrar em empatia com o seu público e não se limitarem a executar os seus temas.

Finalmente, aproximava-se um momento que certamente não iria desiludir: Alexis Taylor e os seus Hot Chip, cheios de classe mas determinados em fazer a festa, que rapidamente contagiou o anfiteatro. Sete músicos em palco (que, diga-se, se viam mal devido ao exagerado fumo projectado em palco, o que aconteceu em demasia), debitaram a sua inteligente mistura de esquizofrenia com pop, sempre com pulsar electrónico. A partilha máxima com o público chegou com os temas One Life Stand, Ready For The Floor e Over and Over, ficando a faltar o merecido encore.

Finalmente, aquele que seria o concerto mais polémico e discutido do festival. Os The Knife estavam decididos em criar um momento memorável e lá isso foi… Antes, porém, surgia na frente do palco um animador (uma espécie de cruzamento entre Mika e Jack Sparrow) que, em nome dos suecos, pôs em marcha um prólogo para o concerto. O que até podia ter sido uma transição original e bem conseguida entre um concerto festivo (dos Hot Chip) e a desconstrução performativa dos The Knife, tornou-se num intervalo demasiado longo, como se se estivesse, em bom português, a encher chouriços. Mas, em abono da verdade, o metade professor de aeróbica metade pastor evangélico, era muito competente. Temos, portanto, de lhe dar mérito pela forma como, sozinho, conseguiu animar e entreter milhares de pessoas que, qual fenómeno de massas, se deixou levar ao sabor de tudo o que vinha à cabeça do senhor. Quando este (finalmente) abandonou a ribalta, começou o verdadeiro anti-clímax. Mistura de pseudo-músicos, playback, bailarinos, luz e cor, tudo compôs um espectáculo que, admitimos, podia resultar num outro contexto e sem a referida introdução, mas que, naquelas circunstâncias, resultou em algo que não se chegou a perceber se era um gozo declarado da banda com a cara dos presentes, se uma consciente declaração de inconsciência, se um tiro ao lado, se planeamento deficiente… Enfim, seja o que for, foi mau. E pior, interminável.

Depois disto, a vontade de ficar a ver DJsets era inexistente, por isso, lá se foi a oportunidade que gostávamos de ter dado a John Talabot (acompanhado por Pional) e a The 2 Bears, dupla que integra Joe Goddard (Hot Chip).


DIA QUATRO

Este dia ia começar em português, com Noiserv. David Santos, no palco secundário, provou o porquê de ser já um dos consagrados músicos da sua geração, sozinho na criação mas seguido fielmente por milhares. O seu desafio mais próximo será talvez provar que consegue não ficar esgotado na fórmula que com grande mérito desenvolveu, sendo o disco que se apronta a lançar importante nesse caminho. Este concerto teve lugar para dois temas novos, juntamente com a canção Palco do Tempo (composta para o filme José e Pilar) e com mais uma mão cheia dos seus reconhecidos êxitos. Competente na apresentação, simpático no diálogo, aprimorado na execução (que teve os inevitáveis imprevistos que também tornam este tipo de actuação única), levou muitos a cantar consigo e foi intensamente aplaudido, mostrando que talvez devesse ter estado no palco principal.

Por lá estiveram os The Glockenwise. Dois discos e muitos concertos depois (por cá e por lá fora) não foram ainda suficientes para suplantar ainda alguma imaturidade. Se a energia garage-rock das músicas (que são boas) resultou na perfeição ao vivo, tal como acontece em disco, já a conversa entre músicas mostrou-se inversamente proporcional à segurança estritamente musical, de enaltecer atendendo à tenra idade. Os tropeções são próprios da juventude e isso não trará grande mal ao mundo. Esperamos que em breve percebam que podem ser, na comunicação, muito mais do que mostraram. Sublinhe-se ainda a vontade de engrandecer o seu concerto com a presença de João Vieira (mentor dos X-Wife e co-produtor do disco Leeches) e com Pedro Sousa no saxofone (que no dia seguinte estaria também ao serviço dos Black Bombaim).

Embora não tenham sido soberbos, estes dois primeiros concertos acabaram por suplantar a maioria dos restantes nessa noite. De seguida, e alternando entre os dois palcos, tivemos os ingleses Citizens! e Peace. Já dissemos o suficiente sobre bandas pouco o nada relevantes e que fraca memória deixaram a quem assistiu aos concertos, por isso não nos vamos repetir.

A alternância continuava com propostas mais arrojadas (pelo menos isso) mas que ainda assim ficaram aquém das expectativas quer na performance quer na qualidade do som. Não sabemos a quem apontar o dedo, se à qualidade do material, se aos técnicos de som, se ao pouco ou quase nenhum tempo para soundchecks, mas apesar da muita distorção, dos gritos e da potência sonora, tudo coisas potencialmente boas, diga-se, não seria suposto os concertos de Iceage e The Horrors soarem tão mal. Os dinamarqueses, no palco secundário, e os londrinos (e repetentes em PdC) no principal, até tinham algo dentro de si para dar: uns raiva e provocação e outros tensa negritude. Mas simplesmente não resultou, o que foi pena.

Restavam os Cold Cave antes dos históricos Echo & The Bunnymen. Os primeiros, vindos de Filadélfia, evidenciaram as suas influências pós-punk e até góticas, mas agradaram visivelmente a poucos, tendo surpreendido ainda menos. Os segundos, apesar de ser inevitável a comparação com o fulgor para sempre eternizado em discos como Crocodile e Ocean Rain, conseguiram construir um concerto sólido. Num alinhamento onde se destacaram temas inevitáveis como Killing Moon, The Cutter e Lips Like Sugar, couberam ainda dois piscares de olho ao público menos conhecedor do trabalho da banda de Liverpool, com apontamentos de versões dos The Doors e Lou Reed. E o seu emblemático líder e compositor Ian McCulloch mostrou ainda deter algumas das suas excelentes qualidades enquanto vocalista e intérprete.

A vertente electrónica que repetidamente encerrava as noites em ambos os palcos foi iniciada por Simian Mobile Disco (ainda no anfiteatro). Fizeram a festa porque a sabem fazer bem e porque os ritmos frenéticos e festivos ajudam, salpicando a sua actuação com elementos psicadélicos. Depois prolongou-se para a tenda, onde os Delorean provaram por que são um dos expoentes da música electrónica espanhola. Este quarteto basco, que se multiplicava por voz, guitarra, baixo, bateria, teclados e sintetizadores, produziu um dos bons concertos do festival, interpretando as suas canções de forma decididamente contagiante. Por último, Will Saul (que à última hora faltou à chamada) foi substituído por White Haus, isto é, João Vieira que, como referimos, já tinha à tarde passado de fugida pelo palco principal e que serviu à plateia mais um DJset.


DIA CINCO

Dos :Papercutz, que inauguraram os concertos do último dia no palco secundário, conseguimos ver pouco, mas este trio liderado por Bruno Miguel (com Melissa Veras na voz), apresentou a solidez de quem sabe o que está a fazer. Apostaram nas percussões pujantes mas minimalistas, na electrónica negra mas ondulante e nas vocalizações etéreas mas decididas. Novamente, não fosse a distinção entre hierarquias dos dois palcos (pelo menos nas primeiras actuações), talvez os portuenses tivessem sido mais apreciados por pessoas sentadas na relva, ao mesmo tempo que os barcelenses Black Bombaim, pela qualidade ao vivo que têm, poderiam ter feito um concerto demolidor na tenda, em vez de “apenas” um bom concerto no imenso anfiteatro.

Não querendo ser repetitivos, também os Ducktails e Phosphorescent (dos segundos vimos quase nada pois concorriam nos horários com Calexico, na mais criticada das sobreposições do festival) teriam beneficiado de uma presença no palco principal, não necessariamente pela dimensão (do espaço ou da banda), mas por serem experiências que muito melhoram se houver a possibilidade de estar sentado naquele magnifico anfiteatro, com o sol a pôr-se e a brisa bater-nos na cara. A banda de Matt Mondanile, guitarrista dos magníficos Real Estate, trouxe consigo uma sonoridade mais próxima com esta do que com a que está presente no disco “The Flower Lane”. O facto de todo o concerto, todo mesmo, ter tido as guitarras carregadíssimas de ‘phaser’, tornou-o um pouco monótono, no entanto, a simpatia genuína do líder e as melodias irrepreensíveis dos Ducktails, fizeram aqueles 45 minutos valer a pena.

E voltamos ao palco principal e a bandas londrinas. Tendo em conta o padrão anterior, podíamos esperar o pior, mas desta vez os Palma Violets foram uma agradável surpresa. Rock agressivo, entrega total, diversão pura, crowd surf, danças avulsas em palco. A banda deu tudo (ou pelo menos muito) do que tinha. Foi a única banda que, à tarde e no palco principal, conseguiu gerar em frente ao palco uma multidão compacta e efusiva. Imagine-se a loucura que teria sido no palco secundário… Mas pronto, não voltemos a esse tema.

Chegou a altura de falar de Calexico. Entraram em palco com uma enorme vontade de se divertir e de partilhar a sua diversidade musical e cultural com quem enchia o anfiteatro. Joey Burns e John Convertino, acompanhados por mais 5 excelentes multi-instrumentistas, presentearam-nos com um verdadeiro concerto (foram raros, nesta edição). Músicos que olham nos olhos o público e que dialogam entre si com sorrisos, que fazem partidas amigáveis durante as músicas, que se valorizam e desafiam mutuamente. E a segurar tudo isto, claro, as belíssimas composições desta banda do Arizona, que busca nas raízes mexicanas não só o exotismo mas uma espécie de Verdade redentora. Embora a qualidade sonora perfeita tenha chegado apenas ao 4º tema, presenciámos um bom alinhamento que vagueou pelos seus vários álbuns, com tempo ainda para a introdução de uma versão de Love (Alone Again Or) e outra de Joy Division (Love Will Tear Us Apart).

Aos Bass Drum of Death não pudemos nem espreitar pois era fundamental assegurar um bom lugar, à frente, para ver aquele que seria o concerto da noite e um dos pontos altos do festival. Falamos dos Belle and Sebastian que faziam a sua terceira visita ao nosso país. Foi bonito e divertido, comovente e honesto, frenético e delicado, simples e diversificado, enfim, tudo aquilo a que os escoceses sempre nos habituaram. Treze músicos em palco, entre os quais se notou a ausência do multi-instrumentista Mick Cooke, mas que tinha um trompetista e um quarteto de cordas composto por jovens recrutado em Portugal. De resto, o núcleo central que estabilizou após a saída de Stuart David e de Isobel Campbell estava presente: o baterista de sempre Richard Colburn, a doce Sarah Martin, o inigualável Stevie Jackson, o envergonhado Chris Guedes e, obviamente, o incansável Stuart Murdoch. Num alinhamento quase perfeito (como, na realidade, quase poderia ser qualquer um) falhou apenas um salto ao disco de estreia, o mítico Tigermilk. Houve a habitual subida a palco para dançar (The Boy With The Arab Strap) por parte de uma dúzia de jovens que estavam na primeira fila e o público esteve sempre colaborante, mas ainda assim a banda não arrebatou todo o anfiteatro. Talvez porque, sendo uma das verdadeiras bandas de culto desde meados da década de 90, nunca chegaram a ser realmente grandes em Portugal. Talvez porque actualmente a sua música não esteja “na moda”. Talvez porque muitos dos presentes nunca deles tivessem ouvido uma música sequer. Mas para os seguidores de longa data (como nós, confessamos) encheu todas as medidas possíveis.

A fechar, Justice num DJset muito poderoso, provavelmente com os decibéis mais altos do festival e com mais os mais arrojados efeitos de luz. Regressavam a Paredes de Coura, onde já tinham sido felizes, e onde uma vez mais conseguiram cumprir as expectativas de quem estava desejoso de ouvir as escolhas musicais destes franceses, carregadas de remisturas prontas para levar ao rubro a enchente de público que se manteve em frente ao palco principal.



Em conclusão, as condições do recinto estavam irrepreensíveis, o bom ambiente manteve-se, mas o cartaz foi apenas razoável. E isso em Paredes de Coura é pouco. Noutros festivais pode ser mais do que suficiente, mas não neste. Não no melhor festival nacional… Também não ajudou a forma menos criteriosa como o alinhamento foi desenhado, nomeadamente não se tirando partido dos belíssimos finais de tarde que aquele anfiteatro relvado proporciona e que pedem concertos aprazíveis, para começar a noite, e não tentativas de explosões rock que, sendo ainda por cima prejudicadas pela ausência do sistema de luzes àquela hora, não conseguem despertar o público.

Queremos acreditar que o que aconteceu possa ter sido resultado de muitos factores: erros de casting, imprevistos, limitações orçamentais, incompatibilidades de agenda. Tudo isso será aceitável, ao contrário de outra hipótese: a organização estar a apostar conscientemente numa mudança de rumo e de segmentação que dá preferência a bandas históricas e de qualidade no Primavera Sound (de modo a consolidá-lo como um evento iminentemente urbano e adulto), direccionando para Paredes de Coura apostas mais recentes (não necessariamente inovadoras ou promissoras) que estejam inculcadas maciçamente por publicações da moda no imaginário juvenil e menos exigente, de modo a manter vivo o festival do rio Taboão.

Obviamente que houve pontos altos marcantes e que vão ficar, sem dúvida, na história do festival, mas também foi demasiado alta a percentagem de concertos monótonos, sem chama, com repetição de fórmulas estéreis (pois ter a fasquia com tanto mérito elevada ao longo de 21 anos é desafiante). Nem sequer se vislumbraram mais do que 2 ou 3 grandes bandas em potência. Na memória, vamos tentar só guardar os concertos “a sério” e perdoar-te tudo o resto, Paredes de Coura. Porque gostamos de ti como de mais nenhum…

09 dezembro 2011

Perfeita imperfeição.

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Real Estate + Pega Monstro
Galeria Zé dos Bois . Lisboa
03. dezembro . 2011

Crónica para a Rádio Universidade de Coimbra.

Cinco tipos de New Jersey que agora vivem em Brooklyn e que fazem música. Pode parecer redutor mas é, neste caso, um elogio. Numa atitude que mistura em doses iguais a descontracção e a introversão, os Real Estate apresentaram-se, pela segunda vez, na Galeria Zé dos Bois. Antes deles tinham tocado as irmãs Reis que dão pelo nome de Pega Monstro e que apenas com as suas vozes congénitas, uma guitarra suja e uma bateria frenética, deixaram logo no ar o ambiente de que com vontade e com poucos meios é possível arrebatar audiências.

Foi nesse mar que, de alguma forma, começaram por navegar os Real Estate. Ainda que ao segundo disco, e depois de uma reconfiguração na formação da banda, os americanos estejam mais polidos, mais atentos ao detalhe, mais preocupados com as diferentes camadas da sua música. E também mais contemplativos. Ver e ouvir ao vivo os Real Estate, potenciados pela pequena sala da ZDB que, completamente cheia, se mostrava totalmente focada na música, é apreciar de forma extrema os sentimentos que a audição de Days e do seu anterior disco homónimo provocam. Uma urgência contida, uma calma inquieta, em torno de melodias perfeitas, mas não demasiado perfeitas. Instrumentais longos e circulares, por vezes quase hipnóticos. Letras simples, pessoais, quotidianas, que transportam consigo uma melancolia triste mas igualmente sonhadora.

Tudo isto nos acompanhou ao longo do alinhamento dessa noite. Trezes músicas, três delas do seu registo de 2009 (Fake Blues, Suburban Beverage e Beach Comber) e nove do seu novo LP, das quais se destacaram It’s Real, Out Of Tune, Municipality e Younger Than Yesterday . E ainda a instrumental Kinder Blumen com que presentearam o público no encore. Fica, claro, a faltar uma para completar as treze, a versão de Sunlight Bathed The Golden Glow, original dos britânicos Felt e cantada pelo guitarrista Matthew Mondanile. Temas intercalados ou simultâneos com alguns “obrigados”, com sorrisos para uma menina que espreitava pela janela e até com um brinde a alguém na primeira fila, sobrando sempre tempo para ajeitar o boné ou limpar os óculos à camisa…

No final do concerto, entre algumas cervejas, houve a oportunidade de falar com o baixista Alex Bleeker. Expressou-nos o amor particular que já tem a Portugal comparativamente a outros países, com um cândido sorriso e um simples gesto horizontal, com as mãos esticadas, indo da (proeminente) barriga, para os lados, traduzindo a sensação de “sossego” tão apreciada por quem anda semanas intermináveis em tour… A terminar a conversa, e quando se falava de bandas como Pavement e Fiery Furnaces, surgiu uma última pergunta que nos vinha assaltando a mente: “Algum de vocês gosta de Galaxie 500?”. A resposta foi pronta e a sorrir: “Todos!!!...”. Definitivamente adoráveis, estes rapazes…

29 março 2009

A ténue linha entre o sagrado e o profano.

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Tiguana Bibles
Oficina Municipal do Teatro . Coimbra
26 . março . 2009

Crónica para a Rua de Baixo, com belíssima reportagem fotográfica de Francisca Moreira.

Na passada quarta-feira, os Tiguana Bibles transformaram a sala da Oficina Municipal do Teatro, em Coimbra, numa autêntica espelunca. Espelunca com classe, entenda-se.

Depois da estreia em Londres e estando de passagem para o Porto, o quinteto que divide a ascendência entre Portugal e Reino Unido apresentou-se na cidade que, em parte, lhe deu origem. Numa noite de evangelização profana, a primeira parte ficou a cargo do mais brilhante satélite dadaísta de todo o universo da música portuguesa, António Olaio & João Taborda, que revisitaram os seus 3 discos, numa altura em que contam quase 15 anos de carreira.

Composto por Vitor Torpedo, empunhando a guitarra que o acompanha desde o tempo dos Tédio Boys, Parkinsons e Blood Safari (com a qual deve fazer amor regularmente); Kaló, de volta à mais discreta e confortável traseira do palco, já que tem andado habituado a maior protagonismo nos Bunnyranch; P-Rocka, a pentear as cordas do contrabaixo, melhor ainda que o cabelo, tal como fazia nos Ruby Ann & The Boppin' Boozers; e, finalmente, a frontwoman e dona de uma excelente voz, Tracy Vandal (Karelia, Giant Paw, Lincoln) a quem corre nas veias o sangue de femme fatale.

Ao vivo recrutam ainda um quinto elemento (envergando uma esplendorosa camisa em pele de leopardo), que funciona como uma espécie de extensão de Boz Boorer, o guitarrista, compositor e director musical de Morrissey, que se apaixonou por este novo projecto e que, para além da produção, participou ainda com os seus dotes de instrumentista no registo de estreia dos Tiguana Bibles. Chama-se Child of the Moon, o EP de 5 faixas, que tem a sua edição marcada para o próximo dia 17 de Abril, com o selo Lux Records/Músicavariada.

O nome da banda define de imediato as coordenadas que os Tiguana Bibles transportam para a sua música: a sensualidade proibida e subversiva da fronteira México – Estados Unidos da América. Foi por lá que, entre os anos 20 e 60, se celebrizaram pequenos livrinhos de banda desenhada erótica que, faziam as delícias dos meios alternativos. Num alinhamento de 9 canções, enraízadas na essência do rock ‘n’ roll, com pitadas de surf, num ambiente algo mezcalero e fumarento, houve ainda espaço para um par de baladas bastante quentes, incluindo a interpretação para Lonesome Town, de Ricky Nelson. Destaque também para Lost Words (incluída no myspace da banda e que contou com uma versão “slow” no encore) e ainda para Hometown, tema presente no CD Novos Talentos Fnac, de 2008.

As águas em que navegam os elementos dos Tiguana Bibles são agora um pouco mais calmas do que em tempos passados; por vezes quase pop. Aqui Torpedo não abre as pernas num salto, Kaló e P-Rocka contêm-se, Vandal não grita. Mas novamente tudo faz, maravilhosamente, sentido. Entre amigos, costuma ser assim.

Uma nota final para a Oficina Municipal do Teatro, espaço que com este concerto alarga os seus horizontes no que respeita a espectáculos, prometendo uma agenda que inclui variados projectos musicais.

20 novembro 2008

A indie-folk também sua.

Jonquil
Mercado Negro . Aveiro
23 . outubro . 2008


Há umas semanas os Jonquil tiveram de tomar uma decisão: no dia 23 de Outubro podiam voltar a tocar na Polónia ou ir a Portugal. Olharam para o mapa e, segundo eles, não foi difícil decidir. Claro que disseram que não estavam arrependidos com a escolha, até porque tinham comido o melhor bife das suas vidas...

Na quinta-feira foram recebidos pelo Mercado Negro, espaço em Aveiro que tem acolhido, nos últimos tempos, nomes muito interessantes do universo indie nacional e internacional, como Scout Niblet, Nancy Elizabeth, Diane Cluck e Old Jerusalem. Num mini-auditório (tipo de espaço a que já estariam habituados pois este projecto, tal como muitos na actualidade, nasceu num pequeno quarto) que acolhia cerca de 80 pessoas, a banda inglesa liderada por Hugo Manuel (sim, isso mesmo) deu um concerto que se ficou pela hora de duração e onde tocou maioritariamente o seu segundo disco, 'Lions', editado no ano passado, que sucedeu a 'Sunny Casinos', do qual não tocaram nenhum tema. Um dos destaques foi a apresentação de novas faixas (Parasol, Night Time Story, The Weight of Lying on Your Back), incluídas no EP 'Whistle Low', lançado recentemente.

Durante o concerto, os Jonquil estiveram no interior de um triângulo formado por Beirut, Clap Your Hands Say Yeah e Arcade Fire. Nomes como Timber Timbre ou The Accidental ficaram de fora pois este concerto não explorou o lado mais introspectivo patente no album 'Lions', o LP que lhes deu algum destaque. Este terá sido, talvez, o único aspecto a apontar à banda de Oxford: num espaço tão pequeno e intimista teriam funcionado na perfeição momentos mais calmos, em que nem todos os elementos da banda tivessem de intervir. Das poucas vezes que tal aconteceu o ambiente criado foi sublime. Optaram, no entanto, por um concerto mais enérgico em que até músicas mais calmas, como 'Pencil, Paper' foram interpretadas com uma urgência contagiante. A vontade e o gosto por tocar estavam bem patentes nas caras e nos poucos movimentos permitidos num palco tão exíguo preenchido por seis rapazes, em que cada um tinha à sua responsabilidade, pelo menos, dois instrumentos.

No final, a sensação era a de ter assistido a um momento musical precioso, reservado aos poucos que cabiam na sala, e capaz de nos fazer acreditar cada vez mais no sucesso deste tipo de bandas, deste tipo de espaços, deste tipo de eventos. Nos dias seguintes os Jonquil iriam até ao Porto e a Lisboa, antes de partirem para Espanha. Em Aveiro deixaram o sabor a magia.

'Pencil, Paper'

'Lions'

Foto e vídeos: Joana Corker

30 outubro 2008

Blitzen Trapper

[Furr . Sub Pop . 2008]









Já estamos todos habituados a que de Portland, Oregon nos chegue óptima música. O novo disco dos Blitzen Trapper é mais um exemplo para acrescentar à lista.

Depois de 'Blitzen Trapper' (2003) e 'Field Rexx' (2004), ao terceiro longa duração com edição de autor 'Wild Mountain Nation' (2007), recebem a atenção e a crítica favorável de publicações como a Spin e a Nerve e dos sites Pitchfork Media e Stereogum. Esta exposição permite ao sexteto mudar-se para a 'Subpop', selo que lançou, em Setembro deste ano, 'Furr'.

Se estes rapazes de Portland pudessem escolher outro tempo para viver, escolheriam certamente os anos 60 e 70. É lá que este disco nasce, na folk, no psicadelismo e até no glam rock, marcantes nessas décadas. É, portanto, quase impossível ouvir 'Furr' e não recordar nomes como Bob Dylan, The Beatles, 13th Floor Elevators, Buffalo Springfield e David Bowie, mas também bandas mais recentes como os Pavement ou Of Montreal

Eric Earley é o líder da banda e foi também o produtor deste disco. Compôs a maioria das músicas num velho piano resgatado de uma antiga escola de dança e dele resta, nas gravações, o seu som distintivo em faixas como 'Not Your Lover' e 'Echo/Always On/EZ Con'.

Vagueando entre temas mais acústicos, como 'Furr' (ver vídeo), 'Lady on the Water' e 'Black River Killer', outros com toadas pop, como 'Sleepytime in the Western World' e 'God & Suicide' e ainda o inevitável rock em 'Fire & Fast Bullets' e 'Love U', os Blitzen Trapper conseguem um disco com uma impressionante coesão sonora. É um disco extremamente sólido e viciante, daqueles em que não se pode tirar uma nota que seja.


07 outubro 2008

Domingo

[Domingo . 3rd Side Records . 2008]

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Pouco se sabe ainda sobre os Domingo. Vêm de Paris e são compostos por Anna (uma menina de grandes olhos negros) e Samy (um rapaz de barba e cabelos ruivos). Ela tem ascendência americana e ele libanesa. Vivem juntos. Gostam de Elliot Smith, Bonnie Prince Billy, Nick Drake, Grandaddy...

Estaria já dito, talvez, o suficiente para despertar a curiosidade de muitos... Anna e Samy lançaram recentemente, pela 3rd Side Records, o seu disco de estreia. Chama-se também Domingo, um nome que foram buscar ao castelhano, mas que também poderiam ter vindo buscar ao português... É um album de músicas acústicas, onde surgem alguns sopros de percussão e teclados, mas onde as guitarras e as vozes imperam em canções tão doces quanto tristes.

A palavra que talvez possa melhor descrever este(s) Domingo é delicadeza. Letras que falam de desertos, da adolescência, de segredos de família, de confissões, conduzem-nos por melodias simples, mas encantadoras.

Para ouvir grande parte do album basta ir ao myspace da banda. Como é difícil arranjá-lo, eu empresto-o a quem o quiser...

08 setembro 2008

Darren Hanlon

Let's have a Port?...
Salão Brazil Coimbra 06.09.2008
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O passado dia 6 de Setembro foi um dia de sorte. Assistimos a duas estreias, em Coimbra: a de Darren Hanlon (músico australiano com créditos firmados na cena musical daquele país, tendo já dividido o palco com Jens Lekman e Architecture In Helsinki) e a da associação Lugar Comum, recentemente criada e que procura promover concertos e actividades ligadas ao mundo da música apelidada de independente.

Marcado para o Salão Brazil, sala situada na Baixa de Coimbra com óptimas condições para receber este tipo de músicos que se fazem acompanhar por poucos instrumentos, todos eles mais ou menos acústicos, o concerto era esperado com alguma curiosidade, especialmente por quem já tivera a oportunidade de ver Darren Hanlon, há poucas semanas, na Aula Magna, a abrir para os Magnetic Fields. Trazendo na bagagem uma guitarra (presa por um cordel) e um bandolim (que utilizou num par de músicas), percorreu os seus três Longa Duração editados até ao momento, nomeadamente o último Fingertips and Mountaintops (2006).
Ao longo de pouco mais de uma hora, sobressaíram do alinhamento temas como 'Elbows', 'I Wish That I Was Beautiful For You', 'Punk's Not Dead' e, claro, 'There's Not Enough Songs About Squash'.

Darren Hanlon é, acima de tudo, um contador de histórias. Seja durante ou entre as músicas, ou até mesmo ao balcão do bar após o concerto, a sua capacidade para comunicar e criar empatia com o público é desarmante. Desde histórias de amor a recordações de infância, Hanlon cria personagens que nos poderão falar de tudo, até de squash (tema que, de facto, poucos músicos desenvolvem). O humor e a vontade genuína de criar intimidade levaram a que, muito rapidamente, o ambiente na sala se tornasse absolutamente descontraído, com o público cada vez mais interessado em conhecer melhor este australiano, que confessou ter ficado muito impressionado com um rasganço que presenciara momentos antes e com o desempenho do apresentador do 'Preço Certo'...

Os concertos que encerrariam a sua digressão europeia seriam dias depois, em Inglaterra, mas como neste Universo dos singer-songwriters o stress está proibido, a noite não acabou por ali. Hanlon estava com vontade de sair, conversar e beber um Porto. Fizemos-lhe a vontade...



06 agosto 2008

Paredes de Coura 2008

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Este é o resultado da minha ida, com credencial da RUC, ao Festival Paredes de Coura.
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1º DIA
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[Palco Principal]
_Bunnyranch:
A edição de 2008 daquele que é talvez o melhor festival de Verão português abriu com os Bunnyranch, a primeira das 4 bandas de Coimbra a entrar em acção durante os 4 dias de concertos. A curiosidade de ver a abertura do festival, o Sol (que se iria manter até ao fim das festividades) e a possibilidade de ouvir o novo disco 'Teach Us Lord...', terão incentivado o público a encher o já mítico anfiteatro (semi-natural) de Paredes de Coura para ver os conimbricenses, já repetentes naquele palco, depois de por lá terem passado em 2004. Ao longo dos 40 minutos que lhes estavam reservados os Bunnyranch (todos de preto) deram as boas vindas ao público do Festival, liderados pelo irrepreensível mestre de cerimónias Kaló. O alinhamento foi buscar um pouco a cada um dos seus discos anteriores e, obviamente, a 'Teach Us Lord...' (a primeira metade de um album que se verá completo quando for editado, em Outubro, o 2º disco) do qual apresentaram o contagiante 1º single 'Top Top To The Top' e aquele que, segundo Kaló, será próximo, 'Stand By'.
_X-Wife:
Seguiu-se outra banda portuguesa, também repetente no Festival e também em vésperas de editar o seu 3º Longa Duração. Os X-Wife de João Vieira (que começa a fugir ao falsete), Fernando Sousa (que nunca deixa em casa os óculos escuros e o Vocoder) e Rui Maia (obcecado por qualquer som que um sintetizador possa produzir), aos quais se juntou um baterista convidado (estratégia iniciada precisamente em Paredes de Coura, no palco secundário, há duas edições atrás), continuaram a debitar energia Rock, mas envolta em ambientes Electro. Estão bem definidos os territórios musicais que percorre esta banda do Porto e as duas novas músicas apresentadas, pertencentes a 'Are You Ready For The Blackout?' entre as quais o single 'On The Radio', que contou com a presença de Raquel Ralha, dos Wraygunn, deixam antever um album bastante interessante.
_Bellrays:
A primeira banda estrangeira a pisar o palco principal foram os Bellrays. Trouxeram na bagagem a discografia e a competência de quem já tem 16 anos de edições e de estrada. Liderados pela vocalista Lisa Kekaula, que dá o toque soul e funk ao Rock com inluências Punk produzido pelos californianos, os Bellrays mostraram um pouco do seu novo disco, lançado este ano, 'Hard Sweet And Sticky'. Mas porque ainda faltavam 2 concertos e nem só de música vive o homem, os Bellrays acabaram por ser o elo mais fraco, pois uma boa parte do concerto foi apenas ouvido da zona da restauração...
_Mando Diao:
Já era noite cerrada quando entraram em palco os Mando Diao, eles que tinham cancelado a sua presença na edição de 2007. Talvez também por isso, os suecos eram aguardados por muito público que ao longo do concerto mostrou conhecimento dos temas mais emblemáticos da banda. Apesar do seu último registo, 'Never Seen The Light Of Day' ser claramente o mais fraco da discografia dos suecos, o concerto entusiasmou mesmo quem estava na parte superior do anfiteatro, isto porque os 5 meninos de Borlänge não faltaram certamente a nenhuma aula da disciplina de 'Rock & Roll'. E se isso se nota nos albums, ao vivo também é evidente que o Rock para os Mando Diao é uma religião.
_Sex Pistols:
Finalmente, o momento mais aguardado da noite, ainda que por razões diferentes. Uns eventualmente à espera do circo que os Sex Pistols pudessem montar, outros para verem se tinham acertado nas apostas sobre o peso de Johnny Rotten e amigos, outros ainda simplesmente para ouvirem e verem algumas das músicas mais marcantes da história do Punk. Pode-se dizer que nenhuma das facções terá ficado totalmente satisfeita porque se há coisa que os Pistols nunca conseguiram ser, foi unânimes. E mesmo que o tenham aprendido entretanto, não estão nada interessados em fazê-lo. Provocatórios e irónicos como sempre (houve até um punk criticado por Johnny Rotten por ter, imagine-se, subido ao palco), ninguém passou imune ao dedo indicativo da atitude Punk, desde o técnico de som a Alá. A banda de Londres, com os quatro membros originais (Rotten, Steve Jones, Paul Cook e Glen Matlock) tocou os seus maiores clássicos ('Pretty Vacant', 'God Save The Queen', 'Anarchy In The UK', 'EMI', entre outros) e ainda 2 versões ('No Fun', dos Stooges e 'Roadrunner' dos Modern Lovers). No fim dividiram, obviamente, opiniões. De um lado os que os acusavam de estar velhos e acomodados e de sobreviverem à custa de apenas um disco gravado há mais de 30 anos, do outro os que elogiavam a frontalidade de assumir que o fazem pelo dinheiro e de que as boas músicas são para continuar a tocar. Os Sex Pistols são provavelmente tudo isto e por isso, para o bem ou para o mal, a sua passagem por Paredes de Coura foi absolutamente marcante.
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[Palco Burn After Hours]
_The Mae Shi:
Com o fim dos concertos no Palco Principal o público dirigiu-se para o Palco 2 para assistir ao concerto dos The Mae Shi. O rapazes de Los Angeles deram um concerto bastante musculado, onde mostraram a sua veia de Rock experimental que já lhes valeu 3 discos desde 2004. O mais recente, o impronunciável 'HLLLYH', esteve presente no alinhamento e conquistou certamente mesmo quem não conhecia a banda californiana.
_DJ Amable:
A fechar a noite e o Palco 2, foi a vez do espanhol DJ Amable, presença habitual na discoteca Razzmatazz, em Barcelona. Apresentou uma selecção dos êxitos do momento, no que diz respeito às sonoridades Pop, Rock e Electro, indo buscar bandas como Los Campesinos, Vampire Weekend e The Gossip.
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4º DIA
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[Palco Ibero Sounds]
_Komodo Wagon:
No último dia de existência deste palco dedicado exclusivamente a bandas de Portugal e Espanha (mais uma boa ideia da organização) a abertura esteve a cargos dos Komodo Wagon. Não foram muitas as pessoas que se deixaram convencer pelos portugueses que apresentaram um Rock poderoso mas sem grande sabor.
_We Are Standard:
De seguida, de Bilbao, chegaram-nos os We Are Standard. Deram um concerto bastante suado e divertido, baseados num electro-pop-rock que fazia lembrar os !!! e os Happy Mondays. O quinteto espanhol foi uma boa descoberta para muitos, mas mostrou ter já bastantes fãs que vieram do lado de lá da fronteira.
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[Palco Principal]
_Ra Ra Riot:
Com o sol a começar a pôr-se, a Indie Pop dos Ra Ra Riot afigurava-se ideal para quem queria iniciar a noite de forma relaxada sentado na relva a bater o pé e a beber uma cerveja. Quem estava à espera de um concerto mais empolgante por parte dos 4 meninos e 2 meninas de Nova Iorque terá ficado, no entanto, desapontado. Apesar das boas músicas que os Ra Ra Riot compõem e da honestidade com que as interpretam, a falta de rodagem da banda não os conseguiu levar além de um concerto morno, o que para a abertura de um Palco Principal, não é nenhum pecado.
_Au Revoir Simone:
O concerto da noite, no que ao Palco Principal diz respeito, ficou guardado para as Au Revoir Simone, aquelas que são, provavelmente, as 3 meninas mais fofinhas (sim, estou consciente de que estou a usar esta palavra) do Universo da Pop. Erika Forster, Annie Hart e Heather D'Angelo pisaram timidamente o palco nos seus vestidinho coloridos, escondendo-se atrás dos seus 3 órgãos e sintetizadores, mas a meio do concerto anunciavam já que aquele era o melhor concerto que já tinham dado. Não é difícil de acreditar, pois a espontaneidade das palmas e os sorrisos enternecidos foram uma constante, tanto em palco, quanto no público. Criou-se um ambiente perfeito cuja banda sonora foram as melodias lindíssimas retiradas dos 2 discos das Au Revoir Simone e ainda inéditos igualmente bem acolhidos pelo público. Despediram-se dizendo que certamente as iríamos encontrar por aí, "dancing the night away". Eu bem que procurei...
_Tributo a Joy Division:
É difícil falar sobre o concerto de Tributo a Joy Division. E é assim pois estão em causa pessoas como, entre outros, Rodrigo Leão (Sétima Legião, Madredeus), Pedro Oliveira (Sétima Legião, Cindy Kat) e Pedro Gonçalves (The Gift). A ideia até pode ter sido boa. Se há banda que merece ser relembrada são os Joy Division e o currículo dos intervenientes levava a pensar que isso ser feito com dignidade e valor artístico. Outros, como os Low ou os Therapy já mostraram que tal é possível. No entanto, o concerto revelou-se penoso, para quem não conhecesse a banda de Ian Curtis, e revoltante para os restantes. Foi com um misto de tristeza, perplexidade e pena (pelos temas originais e por quem estava em cima do palco) que se assistiu ao desfilar de versões absolutamente fúteis e claramente pouco ou mal ensaiadas, que mais pareciam estar a ser tocadas por uma banda de liceu. Por momentos pareceu que a barraca de Karaoke existente no topo da colina tinha escorregado até ao Palco...
_Biffy Clyro:
A banda escocesa mostrou ter um número considerável de fãs que seguem o seu trabalho. Desde os primeiros temas do concerto o público reagiu com entusiasmo ao Rock (que misturava elementos de Noise, Grunge e até Nu-Metal) que a banda de Glasgow apresentou. É um power-trio com grande poder sonoro, muito coeso e coordenado (natural para quem já tem experiência de 10 anos de carreira em conjunto) no entanto, o concerto revelou-se um pouco repetitivo.
_Lemonheads:
Segui-se a banda de Evan Dando que ganhou notoriedade quando a euforia Grunge arrastou para as rádios a versão de Simon & Garfunkel, Mrs. Robinson (que ficou de fora do alinhamento), pertencente ao seu mais emblemático album 'It's A Shame About Ray'. Foi aliás a este disco de 1992 que os Lemonheads mais recorreram com temas como 'My Drug Buddy', 'Bit Part' e, claro, 'It's A Shame About Ray'. A grande maioria do público claramente não conhecia o trabalho da banda americana, pois nem os maiores êxitos causaram grande entusiasmo. A meio do alinhamento Evan Dando ficou sozinho em palco, apenas com a guitarra, e tocou meia dúzia de temas, nomeadamente alguns, se não estamos enganados, da sua carreira a solo. Foi um bom concerto para quem queria recordar a sonoridade dos anos 90, mas fraco para quem esperava saltar ao som de Rock 'orelhudo'.
_Thievery Corporation:
Os americanos Rob Garza e Eric Hilton subiram ao palco para aquilo que se esperava: um concerto cheio de sonoridades dub, funk, acid jazz e lounge, todas suportadas por vocalistas convidados que, rotativamente, faziam as honras de pegar no microfone. Desde dois senhores de rastas e sotaque jamaicano, a duas meninas (uma delas brasileira que não se cansou de pedir o apoio do público do "Porto"...), passando por um quase-crooner de cabelos grisalhos e pose distinta, todos foram dando voz aos ambientes criados pelos Thievery Corporation, banda com mais de 10 anos de história e que já contou com participações de nomes como David Byrne, Norah Jones, Perry Farrell (Jane's Addiction) e Wayne Coyne (Flaming Lips). Tornou-se num concerto algo maçador, o ideal para ver e ouvir num confortável puff da zona de imprensa...
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[Palco Burn After Hours]
_Caribou:
Eram já quase 3 da manhã quando subiu ao palco o senhor Daniel Snaith numa das suas peles, os Caribou. Fez-se acompanhar de mais 3 músicos (guitarra, baixo e bateria) enquanto que ele mesmo valia por outros 3, já que ia alternando entre outra guitarra, o sintetizador e uma segunda bateria. Abriu o concerto com temas do seu 'Andorra', de 2007, entre as quais a brilhante 'Melody Day'. Ao longo de uma hora a energia foi contagiante e só mesmo ela (e as excelentes interpretações dos canadianos) conseguiram manter firme o público cansado de 4 dias de festival. Com grande simpatia e competência, os Caribou alinhavaram um concerto cheio de psicadelismo e experimentalismo mas onde faltaram alguns traços de doçura pop da qual Daniel Snaith já mostrou ser capaz em disco.
_Twin Turbo:
A fechar, dois Dj's do Porto, Pedro Pinto e Nuno Pinto, sob o pseudónimo Twin Turbo, extenderam a noite até às 5 da manhã ao som de fortíssimas batidas techno e laivos de electro.
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Para fotografias do Festival aconselho estes [1], [2], [3], [4] posts do Paulo Pimenta.

06 julho 2008

GNR + GNR

Sê um GNR!
Estádio Cidade de Coimbra, 04.07.2008

foto: Ricardo Jerónimo

Pode ter começado por uma ideia à volta de uma mesa de café, mas foi, de facto, uma boa ideia. Juntar, no mesmo palco, o Grupo Novo Rock e a Banda Sinfónica da Guarda Nacional Republicana, foi (mais uma) tirada de mestre de Rui Reininho, Jorge Romão e Toli César Machado.

Depois do Pavilhão Atlântico, em Abril, foi agora a vez de Coimbra chamar a si, por altura das Festas da Cidade, o espectáculo GNR + GNR. Espectáculo que pode ter sido o último visto que, em conversa com Jorge Romão e Toli César Machado após o concerto, nos foi confessado que é um concerto com uma logística muito complexa e, portanto, difícil de contratar. Nem a autarquia do Porto mostrou interesse em promovê-lo, com grande pena para a banda originária da "Invicta".

O Estádio Cidade de Coimbra abriu as portas às 20h prometendo "animação" até ao início do concerto, marcado para as 22h. Animação que consistiu em 3 grande balões publicitários, um grupo de tocadores de bombo e gaita de foles e a música do italiano Zucchero nos altifalantes. Foi este ambiente que deu as boas vindas ao público que, lentamente, acabou por encher o topo sul do Estádio. Público de todas as idades e muito diverso. Casais de meia idade, avozinhos, adolescentes, criancinhas e também, claro, "pessoas normais". Todos, de uma maneira ou de outra, seguidores de uma banda com quase 30 anos de carreira.

E foram esses quase 30 anos que o alinhamento escolhido reflectiu. Desde pérolas da primeira fase da carreira, dedicadas aos fãs mais fiéis, como 'Espelho Meu', 'Hardcore (1º Escalão)' e 'Bellevue', às mais recentes 'Popless', 'Tirana' e 'Quero que vá tudo para o inferno', passando pelos inevitáveis clássicos 'Efectivamente', 'Morte ao Sol', 'Pronúncia do Norte', 'Sub-16' e, claro, 'Dunas'. Terão faltado muitas, mas uma seria especialmente apropriada: 'Sê um GNR'. No entanto, o receio de ferir susceptibilidades levou a banda do Porto a deixá-la de fora, apesar de esta ter sido uma das escolhas preliminares do Maestro Jacinto Montezo. Ele que dirigiu os 120 elementos da Banda Sinfónica da GNR que incluiam uma senhora que, quando não estava ocupada com a sua flauta transversal, cantava religiosamente todos os refrões. A Banda acompanhou a maioria dos temas com arranjos competentes e teve também a seu cargo alguns interlúdios instrumentais que faziam lembrar bandas sonoras como 'Star Wars', 'Indiana Jones' ou um qualquer clássico da Disney.

Rui Reininho esteve particularmente sossegado no que diz respeito à sua acidez natural, talvez tendo em conta o facto de ser o 'frontman' de tamanha responsabilidade. Ainda assim, não deixou de imitar os gestos elaborados do Maestro e de salpicar as letras, como faz habitualmente, com novos elementos. Jorge Romão, baixista absolutamente energético foi o que mais vezes se aproximou do público através de uma avanço do palco desenhado para o efeito. Finalmente, Toli César Machado, o único membro dos GNR originais (antes baterista e posteriormente guitarrista) foi o mais contido, como é seu timbre. Uma última palavra para os convidados que os acompanharam na bateria, na guitarra e nos teclados, excelentes músicos e de uma enorme simpatia que se estendeu até um conhecido café numa esquina da Praça da República.

Podia ter sido enfadonho, ou até mesmo decadente. Podia ter sabido a pouco. Podia não ter resultado. Mas, a verdade, é que resultou. Viva a GNR!