Festival Paredes de Coura
Paredes de Coura
agosto . 2013
Crónica para a Rádio Universidade de Coimbra.
Primeiro que tudo, uma declaração de interesses: Paredes de Coura é o Festival que mais admiramos. O gosto militante pela música, as poucas distracções não-musicais dentro do recinto, a (quase) ausência de apelos consumistas ligados a marcas ou produtos, a excelente visibilidade no anfiteatro, a preocupação com o conforto, o ambiente junto ao rio Taboão e no centro da vila, cartazes irrepreensíveis com bandas históricas e outras emergentes… É por isso que, sem nenhum gosto especial em dizer mal ou qualquer pseudo-intelectualismo, temos de considerar desgostosamente morna a edição de 2013. Não fossem algumas pérolas e outras (poucas) boas surpresas… Mas já lá vamos.
Antes de experienciar tudo o que as bandas e o festival têm para oferecer anualmente, cada um constrói as expectativas pessoais decorrentes do cartaz previamente anunciado. As nossas, devemos dizer, eram moderadas. Adivinhávamos que Hot Chip seria uma festa cheia de classe, que Belle and Sebastian espalharia pop mágica e sincera, que Calexico encontraria o cenário perfeito para o seu imaginário musical e que Widowspeak, Veronica Falls e Ducktails mostrariam as suas qualidades. Sabíamos que alguns nomes portugueses (entre eles Sensible Soccers, Tape Junk, Noiserv, The Glockenwise, Black Bombaim) teriam um importante momento que os poderia fazer balançar entre a consagração, a confirmação, ou a oportunidade perdida. Restavam a curiosidade pelo exotismo de Bombino, a expectativa pela peculiaridade de Unknown Mortal Orchestra e a incerteza acerca da forma dos históricos Echo and The Bunnymen. E os DJsets lá estariam, como sempre, a deliciar quem quer fazer a festa até tarde, mas a saber a pouco a quem está num festival para ver concertos. Tudo o resto, infelizmente, antecipávamos que seria pouco surpreendente e dificilmente entusiasmante. Contudo, fizemos as malas com a forte esperança de que aquilo que os 21 anos de Paredes de Coura representam, nos provasse o contrário.
DIA UM
Os Tape Junk tinham a responsabilidade de abrir o primeiro dia de concertos. O novo projecto de João Correia, um dos mentores de Julie & The Carjackers, apresentou o disco “The Good and The Mean”, feito de canções com letras mais pessoais e sons mais musculados do que o seu outro projecto. Neste, que conta com a presença de Frankie Chavez (a quem devolve o “favor” sendo o seu baterista), o apelo rock de quem cresceu a ouvir The Pixies supera a construção de música delicada e solarenga. Foi uma excelente forma de começar, com um concerto em crescendo, no alinhamento, na afluência de público e na certeza de que esta é uma banda a seguir atentamente.
Numa noite só com portugueses (em palco, entenda-se, porque no público já muito se notava a forte presença espanhola) seguiu-se O Bisonte. Oriundo do Porto, o colectivo liderado pelo incansável provocador Davide Lobão, trazia o hardcore cantado em português, mostrando que tem um conjunto de seguidores fiéis que faz questão de efusivamente cumprir os mandamentos da banda.
Já de noite, foi a vez de os Sensible Soccers se apresentarem perante um público previamente rendido e que fez questão de, desde o início, deixar o quarteto a sentir-se em casa. Com apenas um single e um EP editados (mas já com um disco quase a sair) onde misturam shoegaze com melodias pop, criam um resultado onde a tensão pré-explosiva é mantida quase hipnoticamente. Com a surpreendente entrada de um bailarino (exótico?) para dançar “Sofrendo Por Você”, mostraram saber que concertos especiais pedem também momentos marcantes, inusitados, que, ao mesmo tempo, deixam claro que é importante uma banda descontraidamente assumir que não se leva exageradamente a sério.
A fechar o palco secundário, que nos dois primeiros dias foi o único e, portanto, o principal, esteve Moullinex, o nome que esconde Luís Gomes e a sua electrónica contagiante (à qual se juntou a não menos contagiante Da Chick) e os The Filthy Pigs dois DJs naturais de Paredes de Coura que mostraram o caminho da festa ao som de vários êxitos da pista de dança (ou “tenda de dança” neste caso).
Ao concerto de Discotexas Band não nos foi possível chegar a tempo, por isso não aquilatámos o resultado do que acontece quando se juntam Bruno Cardoso (Shinobi) e Luís Calçada com Luís Gomes (Moullinex) e Da Chick, dupla que já tinha colaborado na noite anterior.
DIA DOIS
Mas quando os Unknown Mortal Orchestra subiram ao palco já estávamos bem posicionados, pois pressentíamos que a banda americana (com um pé na Nova-Zelândia) mostraria os créditos ganhos com os seus dois registos. Transpostos para o espectáculo ao vivo, os laivos psicadélicos, as malhas de guitarra ora orelhudas, ora dissonantes, a percussão que acompanha a complexidade da guitarra sobrepondo-se ao minimalismo do baixo, adquirem uma dimensão com um vigor que em disco está apenas apontado. Ruban Nielson fez um espectáculo próprio, com a sua guitarra e voz, levando-as onde quis e/ou onde o seu corpo as levava. Muita distorção e grandes riffs/solos, mas sem show-off gratuito, como se Thurston Moore fosse músico de jazz. Até a bateria teve direito a um empolgante solo (resulta sempre), perfeitamente enquadrado no alinhamento. Praticamente sem precisarmos de ver o que se seguia, confirmava-se: estava ali o momento alto dos dois primeiros dias de festival.
Após o desafio experimentalista dos UMO, entraram os contrastantes Alabama Shakes. É um facto que o quinteto americano impressionou pela competência irrepreensível dos músicos em palco e pela tão portentosa quão peculiar voz de Brittany Howard. No entanto, estas elogiáveis características acabaram por ser ao mesmo tempo o que, a partir de metade do concerto, começou aos poucos a cansar. Nada de grave, claro, ainda mais porque o público se mostrava totalmente rendido ao blues-rock da banda e à forma descontraída como esta se apresentava.
Para trazer um pouco mais de boa diversidade ao palco, chegou Bombino. Concerto elogiável, principalmente por quem se deixou levar pelo blues-rock tuareg anunciado pelo disco “Nomad” (com produção de Dan Auerbach). O quase-transe potenciado pelos ritmos e as linhas melódicas dançáveis, comum nas sonoridades tradicionais que nos chegam da República do Níger, marcou todo o concerto onde o guitarrista (cujos heróis são Jimi Hendrix e Mark Knoplfer) e os seus companheiros de viagem conseguiram conquistar, pelo menos, os aficionados da chamada world music.
A despedida foi feita pelo DJset de Headbirds, ou seja, Daniel Guijarro. A presença deste catalão e do seu techno serviu para ajudar a manter a ligação a Espanha que este festival tem potenciado, criando também o pretexto para que milhares de pessoas ficassem ainda dentro do recinto (e da tenda que envolve o palco secundário) até altas horas a consumir (de tudo um pouco) e a gastar as energias que estivessem ainda cumuladas. Pelo menos para esses dois objectivos, valeu a pena.
DIA TRÊS
O terceiro dia de festival, primeiro com palco principal activo, abriu com os nova-iorquinos Widowspeak. Em duo, Molly Hamilton e Robert Earl Thomas cativaram quem estava naquele fim-de-tarde no palco secundário. A formação reduzida, sem baterista, terá retirado peso à actuação, que ainda assim contou com alguns ritmos pré-gravados, mas não lhe tirou encanto. As canções pop, envoltas no toque certo de distorção e de reverb (como bem fazem outros colegas da editora Captured Tracks), eram interpretadas por uma voz de veludo (a fazer lembrar Hope Sandoval) e complementadas com as duas guitarras. O alinhamento contou ainda com uma apropriada versão de Wicked Game (Chris Isaac).
Logo de seguida, começava a inevitável (e nem sempre desejável) alternância entre palcos. O objectivo era espreitar os Everything Everything. Uma das muitas bandas supostamente alternativas e emergentes que enchiam boa parte do cartaz. Tal como a maioria das pessoas que se ia abeirando do anfiteatro de Paredes de Coura, também a nós não nos convenceram, pelo menos na primeira metade do concerto.
E felizmente que não desejávamos ficar para a segunda metade, uma vez que no outro palco estavam a começar os Veronica Falls (que já tinham igualmente estado no Warm Up realizado no Porto há alguns meses). Também eles britânicos e, apesar de não se mostrarem arrebatadores, bem mais interessantes. Neste quarteto com duas raparigas e dois rapazes, a secção rítmica (baixo e bateria) era propositadamente simples e repetitiva, criando a base suficiente para brilharem a voz ao mesmo tempo doce e aguda de Roxanne Clifford e o reverb da guitarra de James Hoare. Foi um concerto competente e semi-empolgante, com a chancela da Captured Tracks que costuma ter olho para bandas que misturam em boas doses a estrutura pop, o garage e o shoegaze.
Aos Jagwar Ma é normalmente colada a etiqueta da MadChester dos anos 80, mesmo que sejam oriundos da Austrália. E se em disco conseguimos encontrar algumas referências àquele movimento (tirando da discussão se as mesmas são ou não intencionais), a verdade é que ao vivo não se mostraram nem perto dos ritmos dançáveis dos Stone Roses, da electrónica pop dos New Order, e muito menos da atitude dos Happy Mondays. Foi um concerto que, infelizmente, tendo em conta a antecipação que parte do público mostrava, se revelou insípido.
Entre o jantar, as várias (demasiadas) oportunidades dadas aos The Vaccines e o bom posicionamento para o concerto de Hot Chip, acabámos por ver muito de raspão TOY e Little Boots (ambos na tenda). Os primeiros, são mais uma banda inglesa com muito estilo e guitarras bonitas. Bons executantes, é certo, mas algo fechados sobre si mesmos. Distorção, em cima de distorção, voz escondida, pratos frenéticos. Nem todas as bandas têm que querer fazer a festa, cada uma é em palco aquilo que quer ser e até admitimos que pudesse ter resultado, mas a qualidade de som teria de estar perfeita o que, diga-se, neste festival foi difícil. Já Victoria Christina Hesketh trouxe bateria e sintetizadores para o seu disco sound despreocupado e saltitante, mas o repto não passou para a audiência. Talvez porque esta foi mais uma banda com pouco para contar ou porque, ao contrário dos DJsets, ainda era demasiado cedo (e no sangue ainda não corria tudo o que mais tarde correria) ou porque o volume não estava no máximo.
Quanto aos The Vaccines, trouxeram muita agitação em palco e, em certa medida, fora dele. Somente na primeira metade do público, é certo, pois mais atrás, quem não era acérrimo seguidor da banda, assistia a um concerto de matriz punk-rock mas sem especial interesse. Apesar de musicalmente pouco sumarentos, registe-se o facto (não muito comum em boa parte das bandas) de estes ingleses pelo menos tentarem energicamente e de várias formas entrar em empatia com o seu público e não se limitarem a executar os seus temas.
Finalmente, aproximava-se um momento que certamente não iria desiludir: Alexis Taylor e os seus Hot Chip, cheios de classe mas determinados em fazer a festa, que rapidamente contagiou o anfiteatro. Sete músicos em palco (que, diga-se, se viam mal devido ao exagerado fumo projectado em palco, o que aconteceu em demasia), debitaram a sua inteligente mistura de esquizofrenia com pop, sempre com pulsar electrónico. A partilha máxima com o público chegou com os temas One Life Stand, Ready For The Floor e Over and Over, ficando a faltar o merecido encore.
Finalmente, aquele que seria o concerto mais polémico e discutido do festival. Os The Knife estavam decididos em criar um momento memorável e lá isso foi… Antes, porém, surgia na frente do palco um animador (uma espécie de cruzamento entre Mika e Jack Sparrow) que, em nome dos suecos, pôs em marcha um prólogo para o concerto. O que até podia ter sido uma transição original e bem conseguida entre um concerto festivo (dos Hot Chip) e a desconstrução performativa dos The Knife, tornou-se num intervalo demasiado longo, como se se estivesse, em bom português, a encher chouriços. Mas, em abono da verdade, o metade professor de aeróbica metade pastor evangélico, era muito competente. Temos, portanto, de lhe dar mérito pela forma como, sozinho, conseguiu animar e entreter milhares de pessoas que, qual fenómeno de massas, se deixou levar ao sabor de tudo o que vinha à cabeça do senhor. Quando este (finalmente) abandonou a ribalta, começou o verdadeiro anti-clímax. Mistura de pseudo-músicos, playback, bailarinos, luz e cor, tudo compôs um espectáculo que, admitimos, podia resultar num outro contexto e sem a referida introdução, mas que, naquelas circunstâncias, resultou em algo que não se chegou a perceber se era um gozo declarado da banda com a cara dos presentes, se uma consciente declaração de inconsciência, se um tiro ao lado, se planeamento deficiente… Enfim, seja o que for, foi mau. E pior, interminável.
Depois disto, a vontade de ficar a ver DJsets era inexistente, por isso, lá se foi a oportunidade que gostávamos de ter dado a John Talabot (acompanhado por Pional) e a The 2 Bears, dupla que integra Joe Goddard (Hot Chip).
DIA QUATRO
Este dia ia começar em português, com Noiserv. David Santos, no palco secundário, provou o porquê de ser já um dos consagrados músicos da sua geração, sozinho na criação mas seguido fielmente por milhares. O seu desafio mais próximo será talvez provar que consegue não ficar esgotado na fórmula que com grande mérito desenvolveu, sendo o disco que se apronta a lançar importante nesse caminho. Este concerto teve lugar para dois temas novos, juntamente com a canção Palco do Tempo (composta para o filme José e Pilar) e com mais uma mão cheia dos seus reconhecidos êxitos. Competente na apresentação, simpático no diálogo, aprimorado na execução (que teve os inevitáveis imprevistos que também tornam este tipo de actuação única), levou muitos a cantar consigo e foi intensamente aplaudido, mostrando que talvez devesse ter estado no palco principal.
Por lá estiveram os The Glockenwise. Dois discos e muitos concertos depois (por cá e por lá fora) não foram ainda suficientes para suplantar ainda alguma imaturidade. Se a energia garage-rock das músicas (que são boas) resultou na perfeição ao vivo, tal como acontece em disco, já a conversa entre músicas mostrou-se inversamente proporcional à segurança estritamente musical, de enaltecer atendendo à tenra idade. Os tropeções são próprios da juventude e isso não trará grande mal ao mundo. Esperamos que em breve percebam que podem ser, na comunicação, muito mais do que mostraram. Sublinhe-se ainda a vontade de engrandecer o seu concerto com a presença de João Vieira (mentor dos X-Wife e co-produtor do disco Leeches) e com Pedro Sousa no saxofone (que no dia seguinte estaria também ao serviço dos Black Bombaim).
Embora não tenham sido soberbos, estes dois primeiros concertos acabaram por suplantar a maioria dos restantes nessa noite. De seguida, e alternando entre os dois palcos, tivemos os ingleses Citizens! e Peace. Já dissemos o suficiente sobre bandas pouco o nada relevantes e que fraca memória deixaram a quem assistiu aos concertos, por isso não nos vamos repetir.
A alternância continuava com propostas mais arrojadas (pelo menos isso) mas que ainda assim ficaram aquém das expectativas quer na performance quer na qualidade do som. Não sabemos a quem apontar o dedo, se à qualidade do material, se aos técnicos de som, se ao pouco ou quase nenhum tempo para soundchecks, mas apesar da muita distorção, dos gritos e da potência sonora, tudo coisas potencialmente boas, diga-se, não seria suposto os concertos de Iceage e The Horrors soarem tão mal. Os dinamarqueses, no palco secundário, e os londrinos (e repetentes em PdC) no principal, até tinham algo dentro de si para dar: uns raiva e provocação e outros tensa negritude. Mas simplesmente não resultou, o que foi pena.
Restavam os Cold Cave antes dos históricos Echo & The Bunnymen. Os primeiros, vindos de Filadélfia, evidenciaram as suas influências pós-punk e até góticas, mas agradaram visivelmente a poucos, tendo surpreendido ainda menos. Os segundos, apesar de ser inevitável a comparação com o fulgor para sempre eternizado em discos como Crocodile e Ocean Rain, conseguiram construir um concerto sólido. Num alinhamento onde se destacaram temas inevitáveis como Killing Moon, The Cutter e Lips Like Sugar, couberam ainda dois piscares de olho ao público menos conhecedor do trabalho da banda de Liverpool, com apontamentos de versões dos The Doors e Lou Reed. E o seu emblemático líder e compositor Ian McCulloch mostrou ainda deter algumas das suas excelentes qualidades enquanto vocalista e intérprete.
A vertente electrónica que repetidamente encerrava as noites em ambos os palcos foi iniciada por Simian Mobile Disco (ainda no anfiteatro). Fizeram a festa porque a sabem fazer bem e porque os ritmos frenéticos e festivos ajudam, salpicando a sua actuação com elementos psicadélicos. Depois prolongou-se para a tenda, onde os Delorean provaram por que são um dos expoentes da música electrónica espanhola. Este quarteto basco, que se multiplicava por voz, guitarra, baixo, bateria, teclados e sintetizadores, produziu um dos bons concertos do festival, interpretando as suas canções de forma decididamente contagiante. Por último, Will Saul (que à última hora faltou à chamada) foi substituído por White Haus, isto é, João Vieira que, como referimos, já tinha à tarde passado de fugida pelo palco principal e que serviu à plateia mais um DJset.
DIA CINCO
Dos :Papercutz, que inauguraram os concertos do último dia no palco secundário, conseguimos ver pouco, mas este trio liderado por Bruno Miguel (com Melissa Veras na voz), apresentou a solidez de quem sabe o que está a fazer. Apostaram nas percussões pujantes mas minimalistas, na electrónica negra mas ondulante e nas vocalizações etéreas mas decididas. Novamente, não fosse a distinção entre hierarquias dos dois palcos (pelo menos nas primeiras actuações), talvez os portuenses tivessem sido mais apreciados por pessoas sentadas na relva, ao mesmo tempo que os barcelenses Black Bombaim, pela qualidade ao vivo que têm, poderiam ter feito um concerto demolidor na tenda, em vez de “apenas” um bom concerto no imenso anfiteatro.
Não querendo ser repetitivos, também os Ducktails e Phosphorescent (dos segundos vimos quase nada pois concorriam nos horários com Calexico, na mais criticada das sobreposições do festival) teriam beneficiado de uma presença no palco principal, não necessariamente pela dimensão (do espaço ou da banda), mas por serem experiências que muito melhoram se houver a possibilidade de estar sentado naquele magnifico anfiteatro, com o sol a pôr-se e a brisa bater-nos na cara. A banda de Matt Mondanile, guitarrista dos magníficos Real Estate, trouxe consigo uma sonoridade mais próxima com esta do que com a que está presente no disco “The Flower Lane”. O facto de todo o concerto, todo mesmo, ter tido as guitarras carregadíssimas de ‘phaser’, tornou-o um pouco monótono, no entanto, a simpatia genuína do líder e as melodias irrepreensíveis dos Ducktails, fizeram aqueles 45 minutos valer a pena.
E voltamos ao palco principal e a bandas londrinas. Tendo em conta o padrão anterior, podíamos esperar o pior, mas desta vez os Palma Violets foram uma agradável surpresa. Rock agressivo, entrega total, diversão pura, crowd surf, danças avulsas em palco. A banda deu tudo (ou pelo menos muito) do que tinha. Foi a única banda que, à tarde e no palco principal, conseguiu gerar em frente ao palco uma multidão compacta e efusiva. Imagine-se a loucura que teria sido no palco secundário… Mas pronto, não voltemos a esse tema.
Chegou a altura de falar de Calexico. Entraram em palco com uma enorme vontade de se divertir e de partilhar a sua diversidade musical e cultural com quem enchia o anfiteatro. Joey Burns e John Convertino, acompanhados por mais 5 excelentes multi-instrumentistas, presentearam-nos com um verdadeiro concerto (foram raros, nesta edição). Músicos que olham nos olhos o público e que dialogam entre si com sorrisos, que fazem partidas amigáveis durante as músicas, que se valorizam e desafiam mutuamente. E a segurar tudo isto, claro, as belíssimas composições desta banda do Arizona, que busca nas raízes mexicanas não só o exotismo mas uma espécie de Verdade redentora. Embora a qualidade sonora perfeita tenha chegado apenas ao 4º tema, presenciámos um bom alinhamento que vagueou pelos seus vários álbuns, com tempo ainda para a introdução de uma versão de Love (Alone Again Or) e outra de Joy Division (Love Will Tear Us Apart).
Aos Bass Drum of Death não pudemos nem espreitar pois era fundamental assegurar um bom lugar, à frente, para ver aquele que seria o concerto da noite e um dos pontos altos do festival. Falamos dos Belle and Sebastian que faziam a sua terceira visita ao nosso país. Foi bonito e divertido, comovente e honesto, frenético e delicado, simples e diversificado, enfim, tudo aquilo a que os escoceses sempre nos habituaram. Treze músicos em palco, entre os quais se notou a ausência do multi-instrumentista Mick Cooke, mas que tinha um trompetista e um quarteto de cordas composto por jovens recrutado em Portugal. De resto, o núcleo central que estabilizou após a saída de Stuart David e de Isobel Campbell estava presente: o baterista de sempre Richard Colburn, a doce Sarah Martin, o inigualável Stevie Jackson, o envergonhado Chris Guedes e, obviamente, o incansável Stuart Murdoch. Num alinhamento quase perfeito (como, na realidade, quase poderia ser qualquer um) falhou apenas um salto ao disco de estreia, o mítico Tigermilk. Houve a habitual subida a palco para dançar (The Boy With The Arab Strap) por parte de uma dúzia de jovens que estavam na primeira fila e o público esteve sempre colaborante, mas ainda assim a banda não arrebatou todo o anfiteatro. Talvez porque, sendo uma das verdadeiras bandas de culto desde meados da década de 90, nunca chegaram a ser realmente grandes em Portugal. Talvez porque actualmente a sua música não esteja “na moda”. Talvez porque muitos dos presentes nunca deles tivessem ouvido uma música sequer. Mas para os seguidores de longa data (como nós, confessamos) encheu todas as medidas possíveis.
A fechar, Justice num DJset muito poderoso, provavelmente com os decibéis mais altos do festival e com mais os mais arrojados efeitos de luz. Regressavam a Paredes de Coura, onde já tinham sido felizes, e onde uma vez mais conseguiram cumprir as expectativas de quem estava desejoso de ouvir as escolhas musicais destes franceses, carregadas de remisturas prontas para levar ao rubro a enchente de público que se manteve em frente ao palco principal.
Em conclusão, as condições do recinto estavam irrepreensíveis, o bom ambiente manteve-se, mas o cartaz foi apenas razoável. E isso em Paredes de Coura é pouco. Noutros festivais pode ser mais do que suficiente, mas não neste. Não no melhor festival nacional… Também não ajudou a forma menos criteriosa como o alinhamento foi desenhado, nomeadamente não se tirando partido dos belíssimos finais de tarde que aquele anfiteatro relvado proporciona e que pedem concertos aprazíveis, para começar a noite, e não tentativas de explosões rock que, sendo ainda por cima prejudicadas pela ausência do sistema de luzes àquela hora, não conseguem despertar o público.
Queremos acreditar que o que aconteceu possa ter sido resultado de muitos factores: erros de casting, imprevistos, limitações orçamentais, incompatibilidades de agenda. Tudo isso será aceitável, ao contrário de outra hipótese: a organização estar a apostar conscientemente numa mudança de rumo e de segmentação que dá preferência a bandas históricas e de qualidade no Primavera Sound (de modo a consolidá-lo como um evento iminentemente urbano e adulto), direccionando para Paredes de Coura apostas mais recentes (não necessariamente inovadoras ou promissoras) que estejam inculcadas maciçamente por publicações da moda no imaginário juvenil e menos exigente, de modo a manter vivo o festival do rio Taboão.
Obviamente que houve pontos altos marcantes e que vão ficar, sem dúvida, na história do festival, mas também foi demasiado alta a percentagem de concertos monótonos, sem chama, com repetição de fórmulas estéreis (pois ter a fasquia com tanto mérito elevada ao longo de 21 anos é desafiante). Nem sequer se vislumbraram mais do que 2 ou 3 grandes bandas em potência. Na memória, vamos tentar só guardar os concertos “a sério” e perdoar-te tudo o resto, Paredes de Coura. Porque gostamos de ti como de mais nenhum…